VIAGEM DAS PLANTAS
Pau-brasil
Os primeiros contatos com as costas “brasileiras” foram feitos por marinheiros a serviço de comerciantes normandos que usavam o pau-brasil para tingir tecidos
Os franceses limitavam-se a frequentar as costas, enquanto os Tupi se encarregavam da coleta e entrega da madeira... como podemos ver neste mapa:
Lopo Homem, Atlas náutico do mundo,
conhecido como Atlas Miller,
1519 – Folha 5 r°: Oceano Atlântico Sudoeste com o Brasil
conhecido como Atlas Miller,
1519 – Folha 5 r°: Oceano Atlântico Sudoeste com o Brasil
Essas trocas e esse comércio florescente deram origem à chegada de ameríndios às cidades normandas. A”festa” de Rouen, realizada em 1550 por ocasião da visita do rei Henrique II, é um testemunho disso
Baixos-relevos de madeira
do Brasil da mansão
particular da rua Malpalu, 17,
Rouen Museu de Antiguidades, Rouen
Para a antropóloga Beatriz Perrone-Moisés,
esses momentos representam uma espécie de aliança
diplomática entre normandos e tupinambás.
A cidade de Rouen destacava-se no comércio
muito lucrativo de madeiras brasileiras,
tinturas, papagaios e macacos. 47 (nossa tradução)
A grande originalidade da entrada de Rouen, que a torna excepcional entre todas as entradas reais, está no espetáculo: aqui, em vez da vida dos santos, era a vida dos Tupi da costa brasileira que era representada. 47 (nossa tradução)
Montaigne diz que assistiu a outra festa “brasileira” em Rouen (em 1562) em seu famoso capítulo “Dos canibais”.
Três dentre eles (e como lastimo que se tenham deixado tentar pela novidade e trocado seu clima suave pelo nosso!), ignorando quanto lhes custará de tranquilidade e felicidade o conhecimento de nossos costumes corrompidos, e quão rápida será a sua perda, que suponho já iniciada, estiveram em Ruão quando ali se encontrava Carlos IX.
Brasil ou
Terra de Santa Cruz?
O próprio nome Brasil constitui uma vitória dos mercadores sobre os religiosos.
Para que nesta parte magoemos ao Demônio, que tanto trabalhou e trabalha por extinguir a memória da Santa Cruz e desterrá-la dos corações dos homens, mediante a qual somos redimidos e livrados do poder de sua tirania, tornemos-lhe a restituir seu nome e chamemos-lhe Província de Santa Cruz, como em princípio (que assim o admonesta também aquele ilustre e famoso escritor João de Barros na sua primeira Década, tratando deste mesmo descobrimento) porque na verdade mais é d’estimar, e melhor soa aos ouvidos da gente cristã o nome de um pão em que se obrou o mistério da nossa redenção que o outro que não serve mais que para tingir panos ou coisas semelhantes. (Pêro de Magalhães Gândavo, História da Província Santa Cruz, redigido pelo autor em 1570).
O aspecto mais curioso dessa indefinição inicial é a “disputa” que dividiu humanistas e comerciantes a partir de meados do século XVI, e que teria vida longa. […] o embate entre o Santo Lenho e o pau-brasil perderia muito do sentido original, inteligível apenas no contexto do humanismo português e dos conflitos entre letrados burocratas e mercadores. (Laura de Mello e Souza, “O nome do Brasil”, Revista de História 145 (2001), 68, 78.
O que resta
do pau-brasil
do pau-brasil
« Toda a história da Penetração e a história comercial da América. Pau Brasil. »
Oswald de Andrade, « Falação », Poesia Pau-Brasil
Viagem das plantas XVII-XVIII
O relativo sigilo encobrindo as realidades brasileiras a partir do séc. XVII não impediu uma circulação das plantas, isto é de seus usos e representações, de homens e saberes pelo mundo afora. Mas o caminho entre Brasil e França foi, em muitos aspectos e circunstâncias, indireto.
Via Países Baixos…A escassez de representações da flora brasileira na pintura portuguesa (mais voltada para temas religiosos) abriu espaço para a circulação das imagens e paisagens produzidas pelos holandeses, que inundaram as cortes europeias.
Os pescadores (394 x 253 cm), assim como todas as quatorze tapeçarias
da série, inspiram-se nas composições dos dois pintores holandeses
Albert Eckhout e Frans Post, oferecidas por Maurício de Nassau a Luís XIV.
Em 1722, François Desportes revisitou os cartões
dos Gobelins para realizar estas “Novas Índias”
da série, inspiram-se nas composições dos dois pintores holandeses
Albert Eckhout e Frans Post, oferecidas por Maurício de Nassau a Luís XIV.
Em 1722, François Desportes revisitou os cartões
dos Gobelins para realizar estas “Novas Índias”
Via missionários e indígenas
Tendo viajado de Quito à foz do Amazonas, Charles-Marie de La Condamine é dos raros viajantes franceses a penetrar a colônia brasileira durante os séc. XVII e XVIII. Mas o relatório que apresenta à Academia das Ciências de Paris em 1745 não deve tanto às suas observações quanto às suas fontes
Relation abrégée d’un voyage fait
dans l’intérieur de l’Amérique méridionale (1745)
La Condamine escondeu tanto quanto revelou. Durante a expedição, ele coletou cuidadosamente mapas, manuscritos, correspondência epistolar e histórias missionárias dos indivíduos que encontrou ao longo de seu caminho. Ao mesmo tempo, apoiou-se no conhecimento local e na assistência material de crioulos, jesuítas, ameríndios e escravos de origem africana. (Neil Safier, “Como era ardiloso o meu francês: Charles-Marie de la Condamine e a Amazônia das Luzes”, Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 29, nº 57, 2009, p. 94)
Uma das contribuições que lhe é atribuída é a identificação da quinina, cujo nome científico leva seu nome: Cinchona officinalis condaminea. No entanto o processo não é tanto uma descoberta, mas uma conversão de conhecimentos locais em saber da “ciência” acadêmica europeia.
Assim aconteceu muitas vezes com as informações colhidas pelos missionários. Hoje a disputa se daria em termos de “patentes”.
Em torno de Alexandre Rodrigues Ferreira
Alexandre Rodrigues Ferreira. Viagem Filosófica pelas Capitanias
do Grão Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá.
Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1971
do Grão Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá.
Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1971
Apesar da “viagem filosófica” de Alexandre Rodrigues Ferreira (1783-1792) não ter aparentes conexões com a França, sendo realizada a mando da coroa portuguesa por um nativo da Bahia, o naturalista bebeu, entre outras fontes, nos escritos franceses, notadamente Thevet, Léry, La Condamine e Buffon.
en Espagne et en Portugal, 1908. Fonte: BNF
E parte do extenso acervo que recolheu foi saqueado e levado à França em 1808, sob os áuspices do naturalista Geoffroy Saint Hilaire, com final autorização dos Ingleses. Além de animais e minerais foram transferidas pelo menos cerca de 3 000 plantas, na forma de espécimes secos colhidos que se encontram no Museu Nacional de História Natural de Paris até hoje.
As coleções de plantas secas exóticas são virgens; ninguém se importou de abri-las; uma delas – e não é a mais medíocre – espera ser inventariada desde 1785. Nem uma planta, nem uma ideia saíram desse enorme amálgama de coleções que permaneciam inúteis. Geoffrey poderá, segundo a expressão de Cuvier, “enriquecer a seu grado Paris sem empobrecer Lisboa”. (HAMY faz-se porta-voz do argumentário de Geoffroy Saint Hilaire, 1908, p. 15)
José Joaquim Freire. Ipomoca acuminata, s/d., 26,5 x 17,0 cm,
aquarela, Fonte: Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro
aquarela, Fonte: Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro
Da poesia À agricultura: interfaces com a cultura ilustrada francesa
Inúmeras obras propagavam a poesia didática, da qual são expoentes escritores franceses como Jacques Delille, Jean-Antoine Roucher, Jean-François de Saint-Lambert e François-Joachim de Pierre de Bernis.
Jacques Delille. Les Jardins, Hambourg, 1783. Fonte: BNF
Os Jardins, Tipografia Arco do Cego, 1800.
Fonte: BBM.
Fonte: BBM.
Cultivaram a “poesia natural, cantando entusiasticamente a vida campestre, a beleza bucólica e os novos conhecimentos da natureza”. As publicações incentivavam a propagação das tecnologias agrícolas, livros voltados para a instrução e a propagação desses saberes.
A representação da plantação e colheita do anil lembra as pranchas da Encyclopédie.
José Mariano da Conceição Velloso. Plantação e colheita do Indigoal,
O Fazendeiro do Brasil. Imprensa Régia, 1806. (BBM)
O Fazendeiro do Brasil. Imprensa Régia, 1806. (BBM)
Das margens ao interior: a Botânica brasileira na coleção de Auguste de Saint-Hilaire
A atenção de Saint-Hilaire direcionada aos estudos de botânica resultou na produção de inúmeros cadernos com notações sobre a flora brasileira que encontrou em suas viagens e na construção de um herbário resultado da coleta e catalogação de espécies nativas.
Auguste de Saint-Hilaire, Caderno de campo
D, São Paulo, Minas Gerais,
Rio de Janeiro, 1821-1822 (esq.),
Velloziaceae Vellozia cândida,
Prov. Rio de Janeiro, 1816-1821 (dir.).
Fonte: Herbarium Virtual de A. de Saint-Hilaire
D, São Paulo, Minas Gerais,
Rio de Janeiro, 1821-1822 (esq.),
Velloziaceae Vellozia cândida,
Prov. Rio de Janeiro, 1816-1821 (dir.).
Fonte: Herbarium Virtual de A. de Saint-Hilaire
Esse conjunto de diferentes biomas foi disseminado em dois escritos Flora brasiliae meridionalis e Voyages dans l’intérieur du Brésil, editados após seu retorno à França. As coleções reunidas pelo botânico incitaram o interesse da intelectualidade francesa para as matas brasileiras. Seu olhar crítico em relação à preservação das florestas, com severas críticas em relação aos modos de exploração de portugueses e brasileiros se relacionam, em certa medida com a obra do pintor francês Felix-Émile Taunay (1795-1881).
Na obra Plantes usuelles des Brasiliens (Grimbert, 1824),
Saint-Hilaire trata dos usos econômicos e medicinais das plantas.
Saint-Hilaire trata dos usos econômicos e medicinais das plantas.
A paisagem romântica na perspectiva dos Taunay
A família Taunay se destacou no cenário artístico, inicialmente por meio do pai Nicolas-Antoine Taunay, um dos representantes da visualidade paisagística romântica no Brasil, passando pelos Felix-Émile Taunay, que se tornará diretor da Academia Imperial de Belas Artes (1834-1851), Hippolyte Taunay (que vai colaborar com Ferdinand Denis nos anos 1820 em Paris), até o jovem Aimé-Adrien Taunay, naturalista que morreu prematuramente na expedição de Langsdorff (1803-1828).
óleo sobre tela, 51,5 x 36cm, s/d. Fonte: MHC/RJ
Aimé Adrien Taunay, Rio Cubatão perto de Santos, aquarela, 1825.
Fonte: Academia de Ciência de São Petersburgo
Fonte: Academia de Ciência de São Petersburgo
Sob o impacto da nova teoria do sublime (Burke, Kant) que opõe à beleza um sentimento de admiração e espanto dominado por forças excessivas, o imaginário romântico de Nicolas evidencia a grandiosidade da natureza, além da introdução de espécies nativas das matas tropicais em suas telas para ilustrar a diversidade.
A contribuição de Félix-Émile, para além da pintura, deu-se nas reformas educacionais inspiradas no modelo francês e empreendidas no período em que esteve na direção da Academia Imperial de Belas Artes, entre 1834 e 1851. Seu discurso visual inova em alguns aspectos, especialmente em seus estudos da luminosidade local, para além das referências europeias. Além disso, desenvolve um discurso moralizante sobre os usos dos recursos naturais.
Na tela Mata reduzida a Carvão, a abundância das árvores e da corrente de águas que flui na densa floresta intocada contrastam com a densa fumaça resultante da queima da vegetação. Uma imagem que expõe uma reflexão sobre as facetas destrutivas do progresso econômico.
Hippolyte Taunay, coautor com Ferdinand Denis de Le Brésil em 6 volumes inventa o topos da “Primeira Missa no Brasil.
Le Brésil. Histoire, mœurs, usages et coutumes des habitans
de ce royaume, Paris, Nepveu, 1822, vol. 6, p. 294
de ce royaume, Paris, Nepveu, 1822, vol. 6, p. 294
Aimé Adrien Taunay, Rio Cubatão perto de Santos,
aquarela, 1825. Fonte: Academia de Ciência de São Petersburgo
aquarela, 1825. Fonte: Academia de Ciência de São Petersburgo
O menos conhecido dos Taunay, Aimé-Adrien, iniciou sua carreira com apenas 15 anos na viagem de circum-navegação liderada pelo naturalista Louis-Claude de Freycinet. Mais tarde, o naturalista russo Langsdorff o contratou para uma longa expedição no interior do Brasil, em que morre em 1828.
Aimé-Adrien deixou cadernos com registros em aquarela referentes ao seu percurso pelas cercanias do Rio de Janeiro e interior de São Paulo, entre 1824 e 1828. São registros visuais da flora, fauna e costumes dos povos indígenas. Algumas paisagens esboçadas a grafite e registros de costumes associam a imaginação romântica e um olhar naturalista, atento à flora nativa brasileira.
François-Auguste Biard e Jules Verne
Este pintor viajante permaneceu dois anos no Brasil, no final da década de 1850, frequentando a corte de Dom Pedro II e viajando pelo país até a Amazônia. O resultado foi um livro ricamente ilustrado, intitulado Dois anos no Brasil.
Jules Verne o menciona na primeira parte de seu romance A Jangada. Oitocentas léguas pelo Amazonas (capítulo V), qualificando-o de “muito fantasioso”. No entanto, é possível que as ilustrações de Biard tenham inspirado Léon Benett para a edição Hetzel de 1881
No entanto, a perspectiva de Verne é a de uma colonização toda-poderosa que acredita na regeneração ilimitada da natureza.
acima: Maloca e desmatamento perto do rio Negro.
François-Auguste Biard, Deux années au Brésil, Paris, Hachette, 1862, p. 421
diptico: “O sol penetrou em jorros até este solo úmido”. Jules Verne, La Jangada, 1881, p. 49