PAISAGEM
SONORA
O objetivo desta paisagem sonora
é proporcionar uma imersão auditiva a partir de algumas situações-chave do encontro entre viajantes franceses
e as populações do Brasil, desde a época colonial, de uma perspectiva crítica. Os critérios adotados foram três:
em primeiro lugar, buscamos a voz e os sons das próprias personagens e “objetos”, alvos dos relatos de viajantes como Jean de Léry e Debret. Nesse sentido, despimos o relato de Léry da voz do próprio Léry, deixando apenas a fala de seu “Velho Tupinambá”. Apresentamos, além disso, tanto a versão musical dos cantos indígenas reconstituídos por Ana Maria Kieffer, a partir dos célebres fragmentos de partitura coletados por Léry, como os sons da Viola d’Angola e da Kalimba registradas por Debret, porém na senda de sua pesquisa crítica e recriação pelo intelectual e músico Salloma Salomão. Inserimos, ainda, a perspectiva indígena que rejeita a mera posição de objeto de um olhar forâneo em Não sou índio pra gringo ver, do rapper Edivan Fulni Ô.
Em segundo lugar, consideramos as releituras
e reapropriações dos registros sonoros dos viajantes franceses a partir de diferentes perspectivas, ao longo
do tempo – exemplificando-a no caso de Villa‑Lobos e sua versão do canto tupinambá Canide Ioune (1926).
Uma terceira vertente está na problematização tanto
da temática da apropriação, como se observa no uso que
o compositor Darius Milhaud fez de diferentes canções, maxixes, sambas, etc. brasileiros em Le boeuf sur le toi (O boi no telhado, 1920), a começar pelo tango O boi no telhado (1917), de Zé Boiadeiro (pseudônimo de José Monteiro) quanto dos intercâmbios culturais francobrasileiros, cuja complexidade pode ser vislumbrada nas relações que
o compositor francês estabeleceu com membros das elites brasileiras, como a pianista Nininha Velloso Guerra, autora
da peça para piano Com as crianças – na qual,
em contrapartida, também se nota a sua interlocução com compositores franceses.
Completam esta paisagem trechos de entrevistas conduzidas por Tiganá Santana e Fernanda Pitta, no contexto
da realização do podcast “Cartografias Coloniais–Contexto
e Crítica” para um curso da Escola Fundação Itaú, das quais Glicéria Tupinambá, Ana Pi e Denilson Baniwa participaram.
Obras citadas
Salloma Salomão Jovino da Silva, Memórias Sonoras da Noite: musicalidades africanas no Brasil oitocentista. Tese de Doutorado, PUC-SP, 2005
Jean de Léry, Viagem à terra do Brasil, 1574. Edição de 1980 (Belo Horizonte: Itatiaia / São Paulo: Edusp)
Peças musicais da paisagem sonora
Heitor Villa-Lobos
Canide Ioune-Sabath
Intérpretes: Andino Abreu (tenor), Lucília Guimarães Villa-Lobos (piano)
Gravação: Paris, 20 ago. 1928. Disco 78 rpm
Gramophone P-760
Canto tupinambá
Canide Ioune
Anotado por Jean de Léry (1557)
Execução: Grupo Anima, concepção de Ana Maria Kieffer
Álbum Teatro do descobrimento
Akron Records, 1999 (Memória Musical Brasileira)
Edivan Fulni-Ô
Não sou índio pra gringo ver
Single
Tratore, 2021Edivan Fulni-Ô
Não sou índio pra gringo ver
Single
Tratore, 2021
Edivan Fulni-Ô
Demarcação já — Meu nome não é Manuel
Single
Phonograms, 2023
Salloma Salomão
Atlântico negro
Álbum Memórias Sonoras da Noite
Aruanda Mundi, 2002
Salloma Salomão
Viola D’Angola
Álbum Aurora Negra (Cantos e Batuques de Força, Fé e Diminutas Folias)Aruanda Mundi, 2012
Darius Milhaud / Paul Claudel
L’homme et son désir, Op. 48 (1918)
Álbum The 6 Little Symphonies; Le Bœuf sur le toit; L’homme et son désir; Others
Darius Milhaud conduz The Orchestra of Radio Luxembourg
Vox Box, 1994
Nininha Velloso Guerra
Com as crianças
Intérprete: Cristian Budu
Selo Sesc (distr. Tratore), 2024
Zé Boiadeiro (José Monteiro)
O boi no telhado (tango)
Disco Odeon R 121432–121433, 1918